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Direito Real de Laje e a reforma do Código Civil

 Direito Real de Laje e a reforma do Código Civil

Dentre os direitos reais, foi incluído o direito real de laje, tendo em vista as práticas observadas em muitas habitações no Brasil, nas quais um dos níveis da construção (a "laje") pode ser cedida, com a proteção de um verdadeiro direito real a terceiros, que poderão usar daquele espaço com posse legítima e protegida por lei. Vejamos o que consta do texto atual do Código Civil e o que o projeto de lei n.4 de 2025 pretende alterar.



1. O texto atual do Código Civil

Vejamos o que dispõe o Art.1.510-A:

Art. 1.510-A.  O proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 1 o O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário da construção-base. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 2 o O titular do direito real de laje responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre a sua unidade. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 3 o Os titulares da laje, unidade imobiliária autônoma constituída em matrícula própria, poderão dela usar, gozar e dispor. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 4 o A instituição do direito real de laje não implica a atribuição de fração ideal de terreno ao titular da laje ou a participação proporcional em áreas já edificadas. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 5 o Os Municípios e o Distrito Federal poderão dispor sobre posturas edilícias e urbanísticas associadas ao direito real de laje. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 6 o O titular da laje poderá ceder a superfície de sua construção para a instituição de um sucessivo direito real de laje, desde que haja autorização expressa dos titulares da construção-base e das demais lajes, respeitadas as posturas edilícias e urbanísticas vigentes. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

Percebe-se que tal cessão implica em obrigações ao cessionário da laje, como tributos, mas não implica na constituição de condomínio entre cedente e cessionario. 

Por ser parte de uma construção-base, todo o edifício, inclusive a laje, deverá observar as regulamentações Municipais sobre edificações. 

O direito sobre a laje, por previsão legal, pode ser transmitido a terceiros, desde que haja concordância do cedente original, proprietário da construção-base, e dos titulares das demais lajes.

Na sequência seguem obrigações do titular do direito de laje, como prejudicar o edifício que integra  com obras ou ausência  de conservação. É o que reza o art. 1.510-B:

Art. 1.510-B.  É expressamente vedado ao titular da laje prejudicar com obras novas ou com falta de reparação a segurança, a linha arquitetônica ou o arranjo estético do edifício, observadas as posturas previstas em legislação local. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

O art. 1.510-C estipula que poderá constar do contrato de cessão do direito de laje a divisão de custos entre o proprietário da construção-base e o titular da laje para a manutenção e conservação do edifício: 

Art. 1.510-C.  Sem prejuízo, no que couber, das normas aplicáveis aos condomínios edilícios, para fins do direito real de laje, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes que sirvam a todo o edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum serão partilhadas entre o proprietário da construção-base e o titular da laje, na proporção que venha a ser estipulada em contrato. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 1 o São partes que servem a todo o edifício: (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

I - os alicerces, colunas, pilares, paredes-mestras e todas as partes restantes que constituam a estrutura do prédio; (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

II - o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso exclusivo do titular da laje; (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

III - as instalações gerais de água, esgoto, eletricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes que sirvam a todo o edifício; e (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

IV - em geral, as coisas que sejam afetadas ao uso de todo o edifício. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 2 o É assegurado, em qualquer caso, o direito de qualquer interessado em promover reparações urgentes na construção na forma do parágrafo único do art. 249 deste Código. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

Por sua vez, o artigo 1.510-D estipula o direito de preferência na alienação de unidades sobrepostas, tendo a primazia os donos da construção-base e depois, os titulares da laje.

Art. 1.510-D.  Em caso de alienação de qualquer das unidades sobrepostas, terão direito de preferência, em igualdade de condições com terceiros, os titulares da construção-base e da laje, nessa ordem, que serão cientificados por escrito para que se manifestem no prazo de trinta dias, salvo se o contrato dispuser de modo diverso. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 1 o O titular da construção-base ou da laje a quem não se der conhecimento da alienação poderá, mediante depósito do respectivo preço, haver para si a parte alienada a terceiros, se o requerer no prazo decadencial de cento e oitenta dias, contado da data de alienação. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 2 o Se houver mais de uma laje, terá preferência, sucessivamente, o titular das lajes ascendentes e o titular das lajes descendentes, assegurada a prioridade para a laje mais próxima à unidade sobreposta a ser alienada. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

Haverá a possibilidade do exercício de preferência dentro de 180 dias contados da alienação da unidade. 

Caso haja mais de uma laje, terá preferência o titular da laje ascendente antes do titular das lajes descendentes, respeitando a proximidade com a laje a ser alienada.

Caso haja ruína do edifício que conforma a construção-base e a laje, o direito real de laje será extinto. Todavia, permanecerá válido se instituído sobre o subsolo ou se a construção for reconstruída dentro de 5 anos. 

Art. 1.510-E.  A ruína da construção-base implica extinção do direito real de laje, salvo: (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

I - se este tiver sido instituído sobre o subsolo; (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

II - se a construção-base for reconstruída no prazo de 5 (cinco) anos.   (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022)

Parágrafo único. O disposto neste artigo não afasta o direito a eventual reparação civil contra o culpado pela ruína. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

Esses regramento mínimos permitem, de maneira peculiar, a garantia da posse de unidades autônomas e o respeito ao direito à moradia digna, renovando a legislação imobiliária muitas vezes insensível à realidade. 


2. Alterações previstas no projeto de Reforma do Código Civil 

O projeto de lei n.4 de 2025 prevê algumas modificações no texto do artigo 1.510-A e adiciona um artigo às disposições, o artigo 1.510-F. Vejamos o texto projetado para os dispositivos referidos:

Art. 1.510-A.
 .....................................................
§ 7º O direito real de laje poderá ser objeto de garantia real, independentemente da construção-base.
§ 8º O direito real de laje pode ser adquirido por usucapião.”

Texto do Projeto
Art. 1.510-F. Admite-se, além do direito real à laje, a autonomia da sua posse.
§ 1º A posse de que trata este artigo pode ser cedida a título gratuito ou oneroso e transferível por ato entre vivos ou causa mortis.
§ 2º Os sucessores legítimos e testamentários não ficam impedidos de exercer a posse prevista no § 1º ainda que sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
§ 3º O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.
§ 4º Os direitos decorrentes da posse de que trata este artigo podem ser objeto de garantia real imobiliária, uma vez reconhecida a usucapião da laje.
§ 5º A posse de que trata este artigo dependerá de comprovação de que unidade imobiliária atende a critérios de habitabilidade, entendendo-se como tal, as condições da edificação ao uso a que se propõe dentro da realidade em que se situa o imóvel, não sendo necessária a expedição de habite-se.
§ 6º A unidade imobiliária sobre a qual recai a posse da laje deverá ter saída própria, direta ou indiretamente, para via pública e possuir designação numérica ou alfabética para fins de identificação.”

Os acréscimos ao artigo 1.510-A consolidam o que os debates doutrinários já demonstravam, pois, se o direito de laje é direito real, então ele estaria sujeito à aquisição por usucapião. A possibilidade de ser usado como garantia é interessante, pois não se trata de propriedade a garantir um negócio, mas de direito de usar, gozar e dispor, desde que haja matrícula própria de unidade autônoma. A questão é saber se essa matrícula própria será requisito para que sirva como garantia ou não, pois o dispositivo não menciona isso, e para a segurança das transações, isso seria mais indicado, segundo a doutrina mais conservadora.

Já o artigo 1.510-F projetado trata da posse autônoma do direito de laje, coadunando-se com a aquisição de tal direito por usucapião. Segundo o texto do projeto, a posse poderá ser cedida gratuita ou onerosamente, podendo ser exercida por herdeiros. Também se permite que a posse do direito de laje sirva como garantia real, desde que reconhecida a usucapião da laje. Todavia, é aplicável apenas à unidade imobiliária considerada habitável (sem necessidade de "habite-se" público", o que levantará questionamentos judiciais e doutrinários) e que tenha saída direta para a via pública com número de identificação.


3. Conclusão

A previsão do direito real de laje no Código Civil decorre de uma tentativa de normatizar situações práticas que não contavam com respaldo legal, nas quais pessoas construíam unidades habitacionais sem o aval dos órgãos públicos, e levando a disputas judiciais que obrigavam os juízes a inovar em suas sentenças dentro daquilo que as regras da posse e da propriedade permitiam. 

As inovações do projeto de reforma parecem dar um passo além, de modo a permitir que tais unidades sejam usadas como garantia, numa tentativa de ampliar a oferta de crédito para populações mais vulneráveis que dispõe de unidades imobiliárias não consideradas como tais pelas instituiçõs financeiras pela precariedade jurídica das situações envolvidas, mas que começam a ganhar cada vez mais tratamento dotado de segurança jurídica. 

Resta esperar o que os debates no Congresso trarão sobre tais inovações no ordenamento.

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