Decisões do STF sobre a constitucionalidade da nova lei de improbidade administrativa
Sobre a aplicação retroativa da lei de improbidade
Foi uma votação pontuada por diversas controvérsias, e os Ministros divergiam em diversos aspectos, por vezes concordando parcialmente com o Relator, Ministro Alexandre de Moraes, por vezes discordando frontalmente dele. Ao final, foi realizado debate para estabelecer a tese a ser seguida relativamente a quatro aspectos fundamentais da aplicabilidade da nova lei. Vamos a eles!
1. Comprovação do dolo nas condutas de improbidade
Ficou estabelecido que a punição por atos de improbidade deverá ser fundamentada na comprovação da vontade, na intenção do agente em infringir a lei, ou seja, a responsabilização do agente dependerá do dolo.
A nova lei de improbidade estabelece que apenas serão responsabilizados os agentes que praticarem intencionalmente as infrações, ao contrário da lei anterior, que permitia a punição por atos praticados culposamente, ou seja, sem a intenção deliberada.
Dessa forma, deve sempre ser avaliada, para que haja punição, a intenção do agente nas condutas investigadas. Caso não haja tal comprovação, não será possível a punição.
2. Irretroatividade da ausência de responsabilidade por ato culposo não julgado em definitivo
Como já comentado acima, a nova lei de improbidade estabelece que os atos de improbidade, para que sejam puníveis, devem compreender uma atitude intencional dos agentes, portanto, uma conduta dolosa.
Mas e quanto aos casos de improbidade que já tiverem sido sentenciados e cujas punições estiverem sendo aplicadas? E quanto aos casos já sentenciados e já punidos, haveria direito à pedir indenização ou restituição?
O STF firmou o entendimento de que a revogação da modalidade de atos de improbidade praticados de maneira culposa não interferirá nos casos já decididos. Isso, evidentemente, quer dizer que não se aplicará a excludente de responsabilização que a nova norma trouxe nos casos em que a decisão punitiva já tiver transitado em julgado.
Não importará, inclusive, se as punições continuam a ser executadas na vigência da nova lei.
Tal entendimento partiu da compreensão de que a lei de improbidade administrativa tem natureza civil, e não penal, de modo que a edição de lei posterior mais benéfica não permite tal retroatividade, abrangendo casos anteriores e já decididos, uma vez que respaldados pela coisa julgada, consagrada pela Constituição Federal de 1988.
3. Exceções da irretroatividade
Os Ministros concordaram, entretanto, que a nova lei deverá ser considerada pelos juízes no momento em que estiverem julgado atos de improbidade praticados antes da entrada em vigor da nova lei. Desse modo, só poderá haver responsabilização dos agentes que tiverem praticado condutas de improbidade na modalidade dolosa.
Tal tese se sustenta no fato de que, caso os juízes julgassem os atos de improbidade culposos de acordo com a lei revogada, estariam sentenciando com base em norma legal inexistente, o que é incabível.
4. Sobre os novos prazos prescricionais
A nova lei de improbidade traz novos prazos de prescrição que interferem na responsabilização dos agentes e poderiam gerar anulações de processos caso considerados válidos para sentenças já transitadas em julgado.
Os Ministros entenderam que não se pode aplicar tais prazos novos em casos já decididos em definitivo, portanto, são irretroativos.
Os marcos temporais de prescrição, contudo, devem ser observados a partir da publicação da nova lei, para os casos ainda não julgados em definitivo.
Dessa maneira, tentou-se resguardar a segurança jurídica e a efetividade das punições já aplicadas com base no regramento anterior, de modo a se respeitar o devido processo legal e a coisa julgada, essenciais para a preservação do Estado Democrático de Direito.
Esse aqui é o texto que reúne as teses confirmadas pelos Ministros no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo, ARE 843989:
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, apreciando o tema 1.199 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para extinguir a presente ação, e, por maioria, o Tribunal acompanhou os fundamentos do voto do Ministro Alexandre de Moraes (Relator), vencidos, parcialmente e nos termos de seus respectivos votos, os Ministros André Mendonça, Nunes Marques, Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Na sequência, por unanimidade, foi fixada a seguinte tese: "1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei". Redigirá o acórdão o Relator. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 18.8.2022.
Legitimidade do Ministério Público para intentar ações de improbidade
Foram propostas duas ações diretas de inconstitucionalidade, julgadas em conjunto, as ADI 7042 e 7043, por associações de servidores da Fazenda pública estaduais, que, pela nova lei de improbidade, perdiam tal legitimidade ativa, que passaria a ser apenas dos membros do Ministério Público.
Os Ministros decidiram, com divergências, que tal restrição da legitimidade ativa viola a Constituição, uma vez que as Fazendas Públicas detêm a competência para defender o patrimônio dos entes a que se vinculam, e a lei de improbidade administrativa se enquadra no âmbito dessa proteção.
Outro ponto decidido e reafirmado pelos Ministros diz respeito à inexistência da obrigatoriedade de defesa judicial atinente ao agente público por parte da assessoria jurídica do ente ao qual ele está vinculado.
A nova lei de improbidade previa que, no caso da assessoria jurídica do ente ter emitido parecer contrário ao cometimento de irregularidades por parte do servidor ou agente público, essa assessoria ficaria obrigada a defende-lo num eventual processo relativo à improbidade administrativa.
Com a decisão do STF, essa obrigatoriedade deixa de ser reconhecida, podendo ocorrer caso a Advocacia Pública do órgão ao qual está vinculado o agente público autorize tal representação judicial.
Veja-se o texto da decisao de 31 de agosto de 2022:
ADI 7042 E ADI 7043
Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação direta para: (a) declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do caput e dos §§ 6º-A e 10-C do art. 17, assim como do caput e dos §§ 5º e 7º do art. 17-B, da Lei 8.429/1992, na redação dada pela Lei 14.230/2021, de modo a restabelecer a existência de legitimidade ativa concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa e para a celebração de acordos de não persecução civil; (b) declarar a inconstitucionalidade parcial, com redução de texto, do § 20 do art. 17 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021, no sentido de que não existe "obrigatoriedade de defesa judicial"; havendo, porém, a possibilidade dos órgãos da Advocacia Pública autorizarem a realização dessa representação judicial, por parte da assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a legalidade prévia.
Outros dispositivos de aplicabilidade suspensa
No final de dezembro de 2022, foi exarada decisão no processo que julga a ADI 7236, proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), que ainda precisa ser confirmada em Plenário, mas já capaz de suspender alguns trechos da nova lei de improbidade até que haja decisão tomada pelos demais ministros da Corte.
Vamos conferir quais dispositivos foram suspensos.
Desconfiguração da improbidade fundamentada na jurisprudência
A nova redação da lei de improbidade administrativa dispõe sobre a possibilidade de responsabilização dos gestores públicos no artigo 1º, e o parágrafo 8º determinava que não estaria configurado o ato de improbidade no caso de a situação estar coberta por uma divergência nos Tribunais sobre a interpretação da lei aplicável ao caso.
Ou seja, no caso do gestor ter de decidir qual a melhor conduta e houver decisões dos Tribunais em sentidos conflitantes, a respectiva conduta do gestor pode ser enquadrada futuramente como ato de improbidade. Veja-se o dispositivo:
Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
[...]
§ 8º Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) (Vide ADI 7236)
A redação foi considerada muita ampla, capaz de dificultar punições por condutas sancionadas ou não de diferentes formas pelos diversos Tribunais do país. Por isso, tal parágrafo teve sua eficácia suspensa.
Possibilidade de perda da função pública
Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
[...]
§ 1º A sanção de perda da função pública, nas hipóteses dos incisos I e II do caput deste artigo, atinge apenas o vínculo de mesma qualidade e natureza que o agente público ou político detinha com o poder público na época do cometimento da infração, podendo o magistrado, na hipótese do inciso I do caput deste artigo, e em caráter excepcional, estendê-la aos demais vínculos, consideradas as circunstâncias do caso e a gravidade da infração. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) (Vide ADI 7236)
O parágrafo primeiro respectivo dispõe que a sanção da perda de função pública pode ser mitigada caso o agente sancionado já não ocupe o mesmo cargo (qualidade ou natureza diversa do vínculo do agente com o Poder Público), de modo a dificultar a punibilidade dos infratores da lei de improbidade. Dessa forma, a eficácia de tal disposição legal também foi suspensa, uma vez que a mudança de função pública poderia tornar inúteis os esforços investigativos e punitivos do Estado.
Contagem do prazo de suspensão dos direitos políticos
Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
[...]
§ 10. Para efeitos de contagem do prazo da sanção de suspensão dos direitos políticos, computar-se-á retroativamente o intervalo de tempo entre a decisão colegiada e o trânsito em julgado da sentença condenatória. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) (Vide ADI 7236)
No entendimento do ministro, a manutenção da eficácia de tal dispositivo poderia ensejar interpretações divergentes sobre a possibilidade de enquadramento na Lei das Inelegibilidades, que impede o acesso a cargos eletivos. Dessa maneira, entendeu pela suspensão da eficácia desse dispositivo.
Atuação do Ministério Público e do Tribunal de Contas
Art. 17-B. O Ministério Público poderá, conforme as circunstâncias do caso concreto, celebrar acordo de não persecução civil, desde que dele advenham, ao menos, os seguintes resultados: (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) (Vide ADI 7042) (Vide ADI 7043)
[...]
§ 3º Para fins de apuração do valor do dano a ser ressarcido, deverá ser realizada a oitiva do Tribunal de Contas competente, que se manifestará, com indicação dos parâmetros utilizados, no prazo de 90 (noventa) dias. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) (Vide ADI 7236)
Dessa forma, de modo a preservar a autonomia de atuação dos membros do Ministério Público, tal disposição teve sua eficácia suspensa.
Absolvição criminal e Ação de Improbidade
Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta lei independe:
[...]
§ 4º A absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata esta Lei, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no art. 386 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal). (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) (Vide ADI 7236)
O Ministro justificou a suspensão da eficácia desse trecho da lei com base na manutenção da independência das instâncias, de modo a se garantir a possibilidade de punições previstas na lei de improbidade administrativa, bem como considerando a natureza diversa entre os ilícitos comuns e os ilícitos da lei de improbidade.
Improbidade Administrativa e Partidos Políticos
Art. 23-C. Atos que ensejem enriquecimento ilícito, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de recursos públicos dos partidos políticos, ou de suas fundações, serão responsabilizados nos termos da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) (Vide ADI 7236)
Desse modo, segundo o entendimento do Ministro, desrespeitava-se a isonomia, princípio constitucional que deve orientar a aplicação das sanções no ordenamento jurídico pátrio, devendo tal regra ter sua eficácia suspensa.
Agora, devemos aguardar a decisão final a ser exarada pelo Colegiado, que volta a se reunir em fevereiro, após o recesso do Poder Judiciário.
Acesse a íntegra da decisão do ministro no link abaixo:
https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI7236CautelarLeideImprobidade.pdf
Confira mais postagens sobre a nova lei de improbidade clicando aqui!
Veja o texto integral da nova lei de improbidade no link abaixo:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm
Crédito imagem improbidade
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