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Lei Anticorrupção: requisitos para o acordo de leniencia

Lei Anticorrupção: requisitos para o acordo de leniência  

Bom dia, prezado leitor. Neste texto, vamos comentar um pouco sobre o novo decreto regulamentador da Lei Anticorrupção, Lei n.12.846 de 2013, que traz normatização mais extensa sobre o tema do que o decreto anterior, de 2015, e que merece atenção por já entrar em vigência no próximo dia 18 de julho de 2022. No artigo de hoje, vamos tratar sobre os requisitos para a celebração do acordo de leniência.





O artigo 37 do decreto 11.129 de julho de 2022 dispõe que a empresa interessada na celebração do acordo deverá cumprir as seguintes condições:

Art. 37.  A pessoa jurídica que pretenda celebrar acordo de leniência deverá:

I - ser a primeira a manifestar interesse em cooperar para a apuração de ato lesivo específico, quando tal circunstância for relevante;

II - ter cessado completamente seu envolvimento no ato lesivo a partir da data da propositura do acordo;

III - admitir sua responsabilidade objetiva quanto aos atos lesivos;

IV - cooperar plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo e comparecer, sob suas expensas e sempre que solicitada, aos atos processuais, até o seu encerramento;

V - fornecer informações, documentos e elementos que comprovem o ato ilícito;

VI - reparar integralmente a parcela incontroversa do dano causado; e

VII - perder, em favor do ente lesado ou da União, conforme o caso, os valores correspondentes ao acréscimo patrimonial indevido ou ao enriquecimento ilícito direta ou indiretamente obtido da infração, nos termos e nos montantes definidos na negociação.



Desse modo, a empresa deverá ser a primeira a manifestar interesse na cooperação com as investigações, bem como ter interrompido qualquer atividade ilícita a partir da propositura do acordo. A empresa deverá também admitir sua responsabilidade nas ilicitudes praticadas, bem como colaborar com as investigações, às suas custas, até o encerramento do processo administrativo. Evidentemente que essa colaboração envolve o fornecimento de documentos quaisquer elementos que comprovem as irregularidades, bem como a reparação do dano causado, inclusive a perda de valores correspondente ao acréscimo patrimonial ou enriquecimento ilícitos obtidos com as infrações praticadas.

Existem disposições que tratam de particularidades dos incisos acima referidos.

O parágrafo 1º determina, quanto à admissão de responsabilidade da empresa e sua cooperação, que estas serão avaliadas em face da boa-fé da pessoa jurídica em comunicar as irregularidades desde a manifestação de interesse no acordo até seu cumprimento total.

Já no parágrafo 2º há a explicação de que por “parcela incontroversa do dano”, como consta dos valores que serão ressarcidos pela empresa, faz-se referência ao montante admitido pela empresa na sua admissão de culpa ou àqueles definidos na decisão definitiva ao final do processo administrativo ou judicial correspondente.

No parágrafo 3º, dispõe-se que, caso o dano ao Erário guarde identidade ao acréscimo patrimonial irregular da empresa, serão computados uma única vez para fins de ressarcimento e devolução a partir dos termos do acorde de leniência. 

Art. 37[...]

§ 1º  Os requisitos de que tratam os incisos III e IV do caput serão avaliados em face da boa-fé da pessoa jurídica proponente em reportar à administração a descrição e a comprovação da integralidade dos atos ilícitos de que tenha ou venha a ter ciência, desde o momento da propositura do acordo até o seu total cumprimento.

§ 2º  A parcela incontroversa do dano de que trata o inciso VI do caput corresponde aos valores dos danos admitidos pela pessoa jurídica ou àqueles decorrentes de decisão definitiva no âmbito do devido processo administrativo ou judicial.

§ 3º  Nas hipóteses em que de determinado ato ilícito decorra, simultaneamente, dano ao ente lesado e acréscimo patrimonial indevido à pessoa jurídica responsável pela prática do ato, e haja identidade entre ambos, os valores a eles correspondentes serão:

I - computados uma única vez para fins de quantificação do valor a ser adimplido a partir do acordo de leniência; e

II - classificados como ressarcimento de danos para fins contábeis, orçamentários e de sua destinação para o ente lesado.

O artigo 38 do mesmo decreto estipula que a proposta de acordo deverá ser feita por escrito, no qual constará que a empresa foi orientada devidamente quanto aos seus direitos, deveres e garantias legais e de que seu descumprimento aos termos importará na desistência do mesmo.

Art. 38.  A proposta de celebração de acordo de leniência deverá ser feita de forma escrita, oportunidade em que a pessoa jurídica proponente declarará expressamente que foi orientada a respeito de seus direitos, garantias e deveres legais e de que o não atendimento às determinações e às solicitações durante a etapa de negociação importará a desistência da proposta.

§ 1º  A proposta deverá ser apresentada pelos representantes da pessoa jurídica, na forma de seu estatuto ou contrato social, ou por meio de procurador com poderes específicos para tal ato, observado o disposto no art. 26 da Lei nº 12.846, de 2013.

§ 2º  A proposta poderá ser feita até a conclusão do relatório a ser elaborado no PAR.

§ 3º  A proposta apresentada receberá tratamento sigiloso e o acesso ao seu conteúdo será restrito no âmbito da Controladoria-Geral da União.

§ 4º  A proponente poderá divulgar ou compartilhar a existência da proposta ou de seu conteúdo, desde que haja prévia anuência da Controladoria-Geral da União.

§ 5º  A análise da proposta de acordo de leniência será instruída em processo administrativo específico, que conterá o registro dos atos praticados na negociação.

A proposta de acordo, que terá caráter sigiloso, poderá ser apresentada pelos representantes legais da empresa ou procuradores com poderes específicos para isso, e poderá ser encaminhada até a conclusão do relatório do Processo Administrativo de Responsabilização. 

Esse lapso temporal muito alongado, ao mesmo tempo em que parece favorecer as investigações que não conseguiram encontrar muitas provas aptas a embasar a condenação de empresas até quase o final do procedimento, pode causar prejuízos, pois abre-se a possibilidade de a empresa, ao tomar ciência de todo o conjunto probatório dos autos, tentar diminuir suas penalidades.

Não faz sentido, evidentemente, admitir o acordo de leniência em um caso praticamente concluído, uma vez que apenas em casos não elucidados esse acordo estaria cumprindo os requisitos de sua celebração válida.



A proposta de acordo, sua existência ou seu conteúdo, só poderá ser divulgada pela empresa com a concordância da CGU, a qual terá acesso exclusivo ao seu conteúdo. 

A análise da proposta correrá em processo administrativo específico, que registrará os atos conduzidos durante as negociações. Tal análise, conforme consta do artigo 39, levará em conta a admissibilidade da mesma que justifiquem o acordo, ou seja, se há condições mínimas que o tornam interessante à Administração Pública.

 Art. 39.  A proposta de celebração de acordo de leniência será submetida à análise de juízo de admissibilidade, para verificação da existência dos elementos mínimos que justifiquem o início da negociação.

§ 1º  Admitida a proposta, será firmado memorando de entendimentos com a pessoa jurídica proponente, definindo os parâmetros da negociação do acordo de leniência.

§ 2º  O memorando de entendimentos poderá ser resilido a qualquer momento, a pedido da pessoa jurídica proponente ou a critério da administração pública federal.

§ 3º  A assinatura do memorando de entendimentos:

I - interrompe a prescrição; e

II - suspende a prescrição pelo prazo da negociação, limitado, em qualquer hipótese, a trezentos e sessenta dias.

Durante a negociação, haverá a assinatura de um “memorando de entendimentos”, espécie de pré-contrato, no qual constarão os limites das negociações, podendo este ser abandonado a qualquer tempo, tanto pela empresa quanto pela Administração Pública.

Mas a sua assinatura tem duplo efeito: enquanto estiver sendo negociado o acordo, haverá a suspensão da prescrição por no máximo 360 dias. 

No entanto, desde a assinatura já estará interrompida a prescrição da apuração dos fatos praticados.

Ou seja, há uma regra interessante. O memorando faz o prazo de prescrição ser “zerado”. Assim, caso a empresa descumpra o acordo, ela poderá ser investigada pelo mesmo prazo permitido em lei, a ser contado a partir da assinatura do memorando. Isso em tese é bom, pois impede a impunidade.

Agora, como o memorando suspende o prazo durante a negociação até a celebração do acordo, o prazo de investigação seria alargado ainda mais, pois desconsideraria o lapso perdido para acertar a leniência.

O artigo 55 trata da publicação dos acordos de leniência, que deverão respeitar o sigilo legal e o interesse das investigações, o que pode dificultar o controle externo em algumas fases das investigações. 

Art. 55.  Os acordos de leniência celebrados serão publicados em transparência ativa no sítio eletrônico da Controladoria-Geral da União, respeitados os sigilos legais e o interesse das investigações. 

A negociação do acordo terá prazo de 180 dias, a ser contados do memorando de entendimentos. Daí se entende o prazo de 360 dias de suspensão, pois a negociação poderá ser prorrogada por mais 180 dias no caso de circunstâncias especiais no caso. Isso consta do artigo 42:

Art. 42.  A negociação a respeito da proposta do acordo de leniência deverá ser concluída no prazo de cento e oitenta dias, contado da data da assinatura do memorando de entendimentos.

Parágrafo único.  O prazo de que trata o caput poderá ser prorrogado, caso presentes circunstâncias que o exijam.

Contudo, a desistência, já prevista a qualquer tempo nos artigos anteriores, não importará no reconhecimento da prática do ato ilícito. Embora a proposta inicial do acordo já contenha admissão de responsabilidade, os documentos recebidos não poderão ser utilizados. Mas a apuração sobre os fatos que poderiam ser confessados pela empresa continuará, principalmente quando outras provas e indícios corroborarem a ciência dos fatos por qualquer outro meio. Essa é a previsão do artigo 43.

Art. 43.  A desistência da proposta de acordo de leniência ou a sua rejeição não importará em reconhecimento da prática do ato lesivo.

§ 1º  Não se fará divulgação da desistência ou da rejeição da proposta do acordo de leniência, ressalvado o disposto no § 4º do art. 38.

§ 2º  Na hipótese prevista no caput, a administração pública federal não poderá utilizar os documentos recebidos durante o processo de negociação de acordo de leniência.

§ 3º  O disposto no § 2º não impedirá a apuração dos fatos relacionados com a proposta de acordo de leniência, quando decorrer de indícios ou provas autônomas que sejam obtidos ou levados ao conhecimento da autoridade por qualquer outro meio.

Está aí a relevância de se conhecer o novo regramento, de modo a se avaliar se houve recrudescimento do caráter sancionador da lei anticorrupção ou afrouxamento nas regras que punem, civil e administrativamente, as empresas que desrespeitam as boas práticas do mercado e prejudicam a Administração Pública. Até a próxima!

Confira mais postagens sobre o Decreto regulamentador da Lei Anticorrupção clicando aqui!

Link para a lei Anticorrupção (Lei n.12.846 de 2013)

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm

Link para o novo decreto regulamentador (Dec.n.11.129 de 2022)

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Decreto/D11129.htm

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