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Interpretando contratos

Interpretando contratos  

As pessoas costumam acreditar que a assinatura de um contrato costuma sacramentar algo combinado entre as partes, como se fosse algo certo e preciso, que não precisasse de ajustes. 



Todavia, não é isso que acontece. Muitas vezes, as partes não se valem de assessoria jurídica para conduzir a negociação contratual, nem para elaborar e discutir a respectiva minuta que se tornará contrato, e acabam por descrever de maneira breve e simples o que foi acertado entre elas. Isso, evidentemente, quando optam por fazer um contrato escrito, o que não é comum em muitas situações no país.

Essa descrição breve dos deveres e direitos das partes, das obrigações e prazos assumidos, pode trazer inconsistências que, à primeira vista, não parecem atrapalhar o que foi combinado. E, enquanto as partes cumprem aquilo que foi negociado, tudo vai bem. O problema acontece quando uma das partes não consegue dar continuidade às suas obrigações, principalmente em contratos de duração, como de locação, comodato, fornecimento, etc.

Quando esse descumprimento acontece, seja voluntário ou involuntário, as partes se voltam para o que está escrito no contrato. E daí podem aparecer algumas questões que precisam ser respondidas, pois alguns termos podem implicar em multas e compensações maiores do que o imaginado, dificultando ainda mais a retomada do que foi pactuado.

Sendo assim, como devem ser interpretadas as disposições contratuais de modo a se definir direitos e obrigações que podem estar mal explicadas nas cláusulas? E como um juiz numa demanda deve interpretar a disposições contratuais?

O Código Civil, ao tratar dos negócios jurídicos, estabelece alguns parâmetros a serem seguidos. O artigo 112 dispõe que o escrito não prevalece sobre a intenção das partes. 

Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

Isso importa que, nos casos em que cláusulas forem redigidas de maneira ambígua, a sua disposição deve ser entendida conforme a vontade das partes ao assinar o instrumento. Se existe termo usado de maneira equivocada, ele será interpretado como o termo certo, em vez de tornar a disposição inválida. 

Já o artigo 113 traz um dos princípios norteadores do direito contratual, que é a boa-fé que deve orientar as partes:

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. [...]

Desse modo, se uma disposição que consta do contrato pode ser interpretada de modo a criar uma multa aplicável ao caso, trazendo prejuízo vantagem indevida à uma das partes, ela não será aplicada dessa forma.

Os usos do lugar da celebração do negócio também devem orientar a interpretação do contrato. Por exemplo, se dele consta que a entrega do bem se dará depois de recebido o dinheiro, mas ela for feita efetivamente antes de recebido o pagamento, a parte não poderá reclamar se essa for a praxe do local (e tiver recebido o pagamento combinado, obviamente). Da mesma forma, cumpridas as obrigações, ainda que de modo diverso do escrito, desde que não tenha acarretado prejuízo às partes, não se poderá dizer que houve infração contratual, reflexo da boa-fé que rege as relações negociais.

A continuação do mesmo artigo 113 dispõe sobre o sentido a ser dada na interpretação do contrato:

Art. 113 [...]

§ 1º  A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que: 

I - for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio; 

II - corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio; 

III - corresponder à boa-fé;

 IV - for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e 

V - corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração. 

Dessa maneira, partindo do princípio da boa-fé, a conduta das partes relativa ao cumprimento ou descumprimento do contrato orientarão a descoberta do sentido das previsões, bem como os usos e práticas locais a serem observadas.

A avaliação de qual parte tenha sido beneficiada também existirá, principalmente se o contrato não tiver sido redigido e discutido por ambas, prevalecendo a interpretação mais benéfica àquela que não o tiver redigido.

Mas, dentre das recentes modificações do dispositivo apontado, o inciso V é o mais curioso: aquele que interpreta o contrato poderá apontar o sentido que seria mais razoável das partes estabelecerem se estivessem negociando. É sabido que os profissionais especializados em diversos ramos conhecem aquilo que deveria ter sido discutido para a celebração de um contrato eficiente, e alguns conseguem até presumir o que poderia constar do contrato de modo a resolver questões futuras com as quais as partes não contavam no momento da celebração. Mas não deixa de ser estranho que a interpretação de uma cláusula possa ser determinada pelo critério de “qual seria a razoável negociação das partes”.  

Por fim, o parágrafo 2º do artigo 113 permite que as partes disponham por quais métodos seus contratos poderão ser interpretados. 

Art.133 [...]

§ 2º  As partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei. 

O problema estará no fato de que, caso uma das partes tenha maior conhecimento ou mais experiência negocial, poderá estabelecer um método de interpretação que a favoreça, desequilibrando as disposições. Daí, isso pode aumentar os conflitos e disputas após a assinatura do contrato, o que parece ser o oposto do pretendido pela disposição.

O mesmo parágrafo determina que as partes trarão regras que permitirão o preenchimento de lacunas do contrato, ou seja, como as partes poderão proceder para resolver disputas sobre coisas não regulamentadas no contrato. 

Mais uma vez, se uma das partes tiver maior expertise no assunto que a outra, poderá obter vantagem, impedindo uma renegociação ao estipular regra genérica que a favoreça, aumentando a litigiosidade no meio negocial. É preciso ver com cuidado essa permissão legal, embora seja teoricamente benéfica.

No mesmo sentido, determina o artigo 423 que, no caso de um contrato de adesão, aquele caracterizado por ser redigido por uma parte e aplicado de maneira padronizada a diversos contratantes (por exemplo, contratos de prestação de serviços de telefonia, etc), ele será interpretado de maneira mais favorável ao aderente (ou seja, a quem assinou o contrato sem negociar suas cláusulas, por exemplo, o consumidor).

Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.

Em caso de dúvida, consulte sempre um advogado de confiança, que pode ajudá-lo a revisar a sua minuta ou elaborar um contrato que preveja todas as condições relevantes do contrato, bem como analisar as melhores condições de negociação, para que todos fiquem seguros ao alugar e satisfeitos com o negócio! Até a próxima! 


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