Bom dia, prezado leitor. Neste texto, vamos comentar um pouco sobre o novo decreto regulamentador da Lei Anticorrupção, Lei n.12.846 de 2013, que traz normatização mais extensa sobre o tema do que o decreto anterior, de 2015, e que merece atenção por já entrar em vigência no próximo dia 18 de julho de 2022. No artigo de hoje, vamos tratar sobre a punição da multa a ser imposta pela empresa infratora, principalmente sobre o meio de cálculo.
Dispõe o artigo 20 do decreto 11.129 de julho de 2022 que a multa aplicável às empresas infratoras da lei anticorrupção será calculada levando-se em conta diversos fatores, dependendo do seu porte e da sua atividade.
A multa terá, em regra, como base de cálculo, o faturamento bruto da pessoa jurídica relativo ao último exercício antes da instauração do Procedimento de Responsabilização. Ou seja, se o PAR é instaurado em 2022, a base de cálculo levará em conta o faturamento de 2021. Mas o decreto permite que seja descontado o valor dos tributos pagos para obter o valor da base de cálculo. Observe-se:
Art. 20. A multa prevista no inciso I do caput do art. 6º da Lei nº 12.846, de 2013, terá como base de cálculo o faturamento bruto da pessoa jurídica no último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos.
§ 1º Os valores que constituirão a base de cálculo de que trata o caput poderão ser apurados, entre outras formas, por meio de:
I - compartilhamento de informações tributárias, na forma do disposto no inciso II do § 1º do art. 198 da Lei nº 5.172, de 1966 - Código Tributário Nacional;
II - registros contábeis produzidos ou publicados pela pessoa jurídica acusada, no Brasil ou no exterior;
III - estimativa, levando em consideração quaisquer informações sobre a sua situação econômica ou o estado de seus negócios, tais como patrimônio, capital social, número de empregados, contratos, entre outras; e
IV - identificação do montante total de recursos recebidos pela pessoa jurídica sem fins lucrativos no ano anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos incidentes sobre vendas.
§ 2º Os fatores previstos nos art. 22 e art. 23 deste Decreto serão avaliados em conjunto para os atos lesivos apurados no mesmo PAR, devendo-se considerar, para o cálculo da multa, a consolidação dos faturamentos brutos de todas as pessoas jurídicas pertencentes de fato ou de direito ao mesmo grupo econômico que tenham praticado os ilícitos previstos no art. 5º da Lei nº 12.846, de 2013, ou concorrido para a sua prática.
Percebe-se que as informações que permitem chegar à base de cálculo podem vir a partir de lançamentos tributários, livros contábeis da empresa, entre outras fontes.
No caso de não haver faturamento no ano anterior que possibilite o cálculo, determina o artigo 21 que seja considerado o último faturamento apurado da empresa, excluídos os tributos sobre vendas. Entretanto, esse valor bruto será atualizado até o último dia do exercício anterior ao da instauração do PAR.
E o parágrafo único do artigo 21 já estipula que o valor da multa considerará como valor mínimo entre 6 mil e 60 milhões de reais e, como valor máximo, o mínimo de vantagem auferida quando for possível apura-la.
Art. 21. Caso a pessoa jurídica comprovadamente não tenha tido faturamento no último exercício anterior ao da instauração do PAR, deve-se considerar como base de cálculo da multa o valor do último faturamento bruto apurado pela pessoa jurídica, excluídos os tributos incidentes sobre vendas, que terá seu valor atualizado até o último dia do exercício anterior ao da instauração do PAR.
Parágrafo único. Na hipótese prevista no caput, o valor da multa será estipulado observando-se o intervalo de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais) e o limite mínimo da vantagem auferida, quando for possível sua estimação.
Já se percebe, então, de que ordem de valores está se falando, dependendo da infração ela pode ser de poucos milhares ou de dezenas de milhões.
O artigo 22 trata das circunstâncias que agravam a pena de multa. Para cada uma, se for aplicável na situação, será aplicada uma porcentagem, aplicada sobre a base de cálculo e a ela somada.
Art. 22. O cálculo da multa se inicia com a soma dos valores correspondentes aos seguintes percentuais da base de cálculo:
I - até quatro por cento, havendo concurso dos atos lesivos;
II - até três por cento para tolerância ou ciência de pessoas do corpo diretivo ou gerencial da pessoa jurídica;
III - até quatro por cento no caso de interrupção no fornecimento de serviço público, na execução de obra contratada ou na entrega de bens ou serviços essenciais à prestação de serviços públicos ou no caso de descumprimento de requisitos regulatórios;
IV - um por cento para a situação econômica do infrator que apresente índices de solvência geral e de liquidez geral superiores a um e lucro líquido no último exercício anterior ao da instauração do PAR;
V - três por cento no caso de reincidência, assim definida a ocorrência de nova infração, idêntica ou não à anterior, tipificada como ato lesivo pelo art. 5º da Lei nº 12.846, de 2013, em menos de cinco anos, contados da publicação do julgamento da infração anterior; e
VI - no caso de contratos, convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres mantidos ou pretendidos com o órgão ou com as entidades lesadas, nos anos da prática do ato lesivo, serão considerados os seguintes percentuais:
a) um por cento, no caso de o somatório dos instrumentos totalizar valor superior a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais);
b) dois por cento, no caso de o somatório dos instrumentos totalizar valor superior a R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais);
c) três por cento, no caso de o somatório dos instrumentos totalizar valor superior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais);
d) quatro por cento, no caso de o somatório dos instrumentos totalizar valor superior a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais); ou
e) cinco por cento, no caso de o somatório dos instrumentos totalizar valor superior a R$ 250.000.000,00 (duzentos e cinquenta milhões de reais).
Parágrafo único. No caso de acordo de leniência, o prazo constante do inciso V do caput será contado a partir da data de celebração até cinco anos após a declaração de seu cumprimento.
Percebe-se que, dependendo da conduta irregular que faz parte do ato corrupto, a porcentagem será maior. Assim, estabelece-se uma hierarquia de reprovabilidade de condutas, representada pelos percentuais de acréscimo: começando em 1%, no caso de a empresa ter boa saúde financeira ou se participa de contratos públicos de somatório até 500 mil reais e vai até os 5%, previstos para empresas cujo somatório de contratos públicos ultrapasse os 250 milhões de reais.
Já o artigo 23 trata das situações que atenuam as penalidades. Verificadas essas situações no caso apurado, deverão ser descontados da soma prevista no artigo 22 os correspondentes percentuais, calculados sobre a base de cálculo:
Art. 23. Do resultado da soma dos fatores previstos no art. 22 serão subtraídos os valores correspondentes aos seguintes percentuais da base de cálculo:
I - até meio por cento no caso de não consumação da infração;
II - até um por cento no caso de:
a) comprovação da devolução espontânea pela pessoa jurídica da vantagem auferida e do ressarcimento dos danos resultantes do ato lesivo; ou
b) inexistência ou falta de comprovação de vantagem auferida e de danos resultantes do ato lesivo;
III - até um e meio por cento para o grau de colaboração da pessoa jurídica com a investigação ou a apuração do ato lesivo, independentemente do acordo de leniência;
IV - até dois por cento no caso de admissão voluntária pela pessoa jurídica da responsabilidade objetiva pelo ato lesivo; e
V - até cinco por cento no caso de comprovação de a pessoa jurídica possuir e aplicar um programa de integridade, conforme os parâmetros estabelecidos no Capítulo V.
Parágrafo único. Somente poderão ser atribuídos os percentuais máximos, quando observadas as seguintes condições:
I - na hipótese prevista na alínea “a” do inciso II do caput, quando ocorrer a devolução integral dos valores ali referidos;
II - na hipótese prevista no inciso IV do caput, quando a admissão ocorrer antes da instauração do PAR; e
III - na hipótese prevista no inciso V do caput, quando o plano de integridade for anterior à prática do ato lesivo.
Mais uma vez, há uma hierarquia de atenuações que tenta privilegiar empresas que demonstram mais boa vontade em reparar as condutas ilegais praticadas, seja impedindo a consumação da corrupção, seja admitindo a culpa, seja devolvendo valores, ou adotando programa de integridade.
Mas também é de se notar que os percentuais só serão aplicados no máximo estabelecido nos incisos caso sejam satisfeitos os requisitos do parágrafo único. Ou seja, não basta que a empesa devolva valores espontaneamente, ela deve devolver todos os valores envolvidos em enriquecimento ilícito e capazes de ressarcir os danos; no caso de a empresa admitir a participação nas irregularidades, a atenuação da multa de 2% se dará se tal admissão foi feita antes da instauração do Procedimento de Responsabilização; por fim, a atenuação de 5% será aplicável se a empresa já tiver Programa de Integridade em funcionamento.
O artigo 24 dispõe que tais fatores agravantes e atenuantes serão apurados no próprio procedimento de responsabilização, devendo constar no relatório final, que esmiuçará os valores da vantagem auferida pela empresa e da pretendida.
Art. 24. A existência e quantificação dos fatores previstos nos art. 22 e art. 23 deverá ser apurada no PAR e evidenciada no relatório final da comissão, o qual também conterá a estimativa, sempre que possível, dos valores da vantagem auferida e da pretendida.
Repetindo-se disposição anterior de maneira mais detalhada, o artigo 25 trata dos limites da multa a ser estabelecida:
Art. 25. Em qualquer hipótese, o valor final da multa terá como limite:
I - mínimo, o maior valor entre o da vantagem auferida, quando for possível sua estimativa, e:
a) um décimo por cento da base de cálculo; ou
b) R$ 6.000,00 (seis mil reais), na hipótese prevista no art. 21; e
Assim, como patamar mínimo será admitido um valor contido no intervalo de valores entre o valor da vantagem auferida e dez por cento da base de cálculo (faturamento bruto, descontados os tributos) ou o intervalo de valores entre o valor da vantagem auferida e 6 mil reais, se aplicável o artigo 21.
Já como limite de valor máximo da multa, será considerado o menor valor no caso, consideradas as três possibilidades a seguir:
Art. 25[...]
II - máximo, o menor valor entre:
a) três vezes o valor da vantagem pretendida ou auferida, o que for maior entre os dois valores;
b) vinte por cento do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos incidentes sobre vendas; ou
c) R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais), na hipótese prevista no art. 21, desde que não seja possível estimar o valor da vantagem auferida.
Ou seja, o limite máximo da pena de multa estabelecido na comparação entre o menor valor obtido entre o montante de três vezes o valor da vantagem pretendida ou auferida (o valor maior prevalece para fins de cálculo); ou do montante de 20% do faturamento bruto, excluídos os tributos sobre vendas; ou será de 60 milhões, no caso de ser aplicado o artigo 21, não sendo possível estimar a vantagem auferida.
Deverá ser determinado, portanto, qual é o valor menor dentre esses que o decreto permite ser cobrado, para que seja o limite máximo de multa aplicada.
Evidentemente que existem situações práticas que podem trazer inconsistências nesses cálculos. Daí as disposições dos parágrafos do artigo 25 para remediarem tais conflitos:
Art. 25 [...]
§ 1º O limite máximo não será observado, caso o valor resultante do cálculo desse parâmetro seja inferior ao resultado calculado para o limite mínimo.
§ 2º Na ausência de todos os fatores previstos nos art. 22 e art. 23 ou quando o resultado das operações de soma e subtração for igual ou menor que zero, o valor da multa corresponderá ao limite mínimo estabelecido no caput.
Assim, se o limite máximo permitido pelo decreto for inferior ao mínimo, ele não será aplicado. Assim, dever-se-á optar pelo segundo menor valor obtido na comparação de valores determinada.
Existe disposição interessante no parágrafo 2º que merecerá maior discussão pela doutrina e pelos tribunais. Dispõe o mesmo que se não existirem agravantes e atenuantes para serem somados ou subtraídos na base de cálculo, ou se o valor das operações resultar zero ou valor negativo, o valor da multa será o estabelecido como valor mínimo.
Todavia, as atenuantes e agravantes aumentam porcentagens absolutas sobre a base de cálculo tão pequenas que não permitem, em tese, zerar o valor da multa, uma vez que, mesmo que o valor do faturamento bruto, descontados os tributos, seja pequeno, os acréscimos e reduções não chegam a muito mais que 15% sobre seu valor, para mais ou menos, então não há que dizer de zerar o valor. Espera-se que não seja brecha para reduzir todas as multas ao valor mínimo, pois a redação não parece ter sido precisa.
O artigo 26 dispõe sobre o que seja o valor da vantagem auferida ou pretendida:
Art. 26. O valor da vantagem auferida ou pretendida corresponde ao equivalente monetário do produto do ilícito, assim entendido como os ganhos ou os proveitos obtidos ou pretendidos pela pessoa jurídica em decorrência direta ou indireta da prática do ato lesivo.
Desse modo, esse valor é equivalente ao produto das ilegalidades, os ganhos que a empresa obteve ou pretendia obter com os atos de corrupção.
Mas essa vantagem poderá ser estimada, conforme os métodos contidos no parágrafo 1º:
Art. 26[...]
§ 1º O valor da vantagem auferida ou pretendida poderá ser estimado mediante a aplicação, conforme o caso, das seguintes metodologias:
I - pelo valor total da receita auferida em contrato administrativo e seus aditivos, deduzidos os custos lícitos que a pessoa jurídica comprove serem efetivamente atribuíveis ao objeto contratado, na hipótese de atos lesivos praticados para fins de obtenção e execução dos respectivos contratos;
II - pelo valor total de despesas ou custos evitados, inclusive os de natureza tributária ou regulatória, e que seriam imputáveis à pessoa jurídica caso não houvesse sido praticado o ato lesivo pela pessoa jurídica infratora; ou
III - pelo valor do lucro adicional auferido pela pessoa jurídica decorrente de ação ou omissão na prática de ato do Poder Público que não ocorreria sem a prática do ato lesivo pela pessoa jurídica infratora.
§ 2º Os valores correspondentes às vantagens indevidas prometidas ou pagas a agente público ou a terceiros a ele relacionados não poderão ser deduzidos do cálculo estimativo de que trata o § 1º.
Ou seja, o valor da vantagem pretendida ou auferida levará em conta o montante de verbas públicas que a empresa pretende conseguir com a contratação, pelos custos que a empresa não arcou, ou pelo aumento ilícito no lucro, em decorrência de ato comissivo ou omissivo irregular de favorecimento praticado pela Administração Pública.
Também serão considerados os valores pagos ou prometidos a agentes públicos e terceiros.
O artigo 27 trata da possibilidade de redução da multa obtida com a celebração do acordo de leniência.
Art. 27. Com a assinatura do acordo de leniência, a multa aplicável será reduzida conforme a fração nele pactuada, observado o limite previsto no § 2º do art. 16 da Lei nº 12.846, de 2013.
§ 1º O valor da multa prevista no caput poderá ser inferior ao limite mínimo previsto no art. 6º da Lei nº 12.846, de 2013.
§ 2º No caso de a autoridade signatária declarar o descumprimento do acordo de leniência por falta imputável à pessoa jurídica colaboradora, o valor integral encontrado antes da redução de que trata o caput será cobrado na forma do disposto na Seção IV, descontando-se as frações da multa eventualmente já pagas.
O decreto admite que o valor da multa acordada na leniência seja inferior ao limite mínimo previsto na lei anticorrupção, ou seja, 0,1% do faturamento bruto ou 6 mil, no caso de não haver faturamento a apurar.
Também se admite que, no caso do descumprimento do acordo, o valor de multa apurado antes dele seja cobrado integralmente, descontando-se o que já tiver sido pago.
A redução da multa por meio do acordo de leniência será maior caso os seguintes critérios do artigo 47 sejam satisfeitos:
Art. 47. O percentual de redução do valor da multa aplicável de que trata o § 2º do art. 16 da Lei nº 12.846, de 2013, levará em consideração os seguintes critérios:
I - a tempestividade da autodenúncia e o ineditismo dos atos lesivos;
II - a efetividade da colaboração da pessoa jurídica; e
III - o compromisso de assumir condições relevantes para o cumprimento do acordo.
Parágrafo único. Os critérios previstos no caput serão objeto de ato normativo a ser editado pelo Ministro de Estado da Controladoria-Geral da União.
Ou seja, quanto antes a empresa assumir a responsabilidade pelos atos de corrupção, quanto maior a colaboração com as investigações e quanto mais benéfico for o acordo de leniência para a Administração Pública, maior será a redução obtida.
O Ministro da CGU deverá normatizar sobre tais reduções referentes ao atendimentos desses critérios de atenuação.
Está aí a relevância de se conhecer o novo regramento, de modo a se avaliar se houve recrudescimento do caráter sancionador da lei anticorrupção ou afrouxamento nas regras que punem, civil e administrativamente, as empresas que desrespeitam as boas práticas do mercado e prejudicam a Administração Pública. Até a próxima!
Confira mais postagens sobre o Decreto regulamentador da Lei Anticorrupção clicando aqui!
Link para a lei Anticorrupção (Lei n.12.846 de 2013)
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm
Link para o novo decreto regulamentador (Dec.n.11.129 de 2022)
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Decreto/D11129.htm
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