Nesses dias em que todos lamentam ao redor do mundo a perda de uma das monarcas mais longevas da história a humanidade, muitos se perguntam sobre o papel desempenhado pela mesma na história britânica e mundial e quais os desafios a serem enfrentados pelo seu filho, o Rei Charles III.
Mas qual será o papel constitucional de um monarca do Reino Unido nos dias atuais?
1. O Parlamentarismo britânico e a diferenciação entre a Chefia de Estado e a Chefia de governo
Partindo-se da conhecida tripartição dos poderes ou funções de Estado, entre Executivo, Legislativo e Judiciário, pode-se dizer que o sistema britânico adota o modelo parlamentar, na qual as funções do Executivo e do Legislativo se entrelaçam na atuação do Parlamento e do Gabinete do partido da maioria.
O Reino Unido segue o modelo parlamentarista de monarquia constitucional, o que significa que o possui um monarca como Chefe de Estado, que o representa como Instituição e de maneira mais cerimonial e simbólica, e o Parlamento, o qual indica o seu representante, líder do partido da maioria, para ser o chefe do governo, responsável pelos assuntos de gestão pública e tomando para si a responsabilidade política de todos os atos que devem ser tomados pelo Poder Executivo.
Desse modo, o Primeiro-Ministro, ao fazer parte do Parlamento, ganha uma função com seu Gabinete, de executar as políticas e leis aprovadas pelos representantes da nação no Legislativo, ao mesmo tempo que passa a se contrapor às cobranças e aos debates feitos acerca dessa gestão.
Um célebre doutrinador do direito constitucional Britânico, Walter Bagehot, defende a diferenciação entre a Chefia do governo e a Chefia do Estado, a partir da distinção dos dois elementos que compõem a função executiva: o elemento eficiente e o elemento dignificante.
O elemento “eficiente” é o responsável pela condução da gestão pública, a cargo do Gabinete, encabeçado pelo Primeiro-Ministro. Ele possui responsabilidade política perante o povo, o Parlamento e o Monarca.
Já o elemento “dignificante” diz respeito ao simbolismo e união nacional, mantendo a união entre os que governam e os que são governados. É de extrema importância que tais elementos não estejam encarnados em apenas uma pessoa, para que ela seja capaz de representar a todos, enquanto chefe de Estado, e liderar a condução dos negócios públicos seguindo o pensamento da maioria política, enquanto chefe de governo.
2. Atribuições Constitucionais do Monarca
É bem conhecido aquele velho chiste de que “a Rainha reina mas não governa”, mas o monarca britânico possui atribuições.
Ele é o responsável por realizar a investidura de poder aos Primeiros-Ministros, ao receber o líder da maioria no Parlamento e convidá-lo a formar um governo em nome de Sua Majestade.
O monarca também tem a atribuição de convocar eleições, quando o Parlamento e o Gabinete não conseguem negociar a condução de votações relevantes ou quando o Gabinete deixa de representar o partido da maioria. Desse modo, o monarca dissolve o Parlamento e convoca novas eleições, independente de quanto tempo de mandato foi cumprido pelo Primeiro-Ministro, que pode ser substituído no caso de seu partido perder a maioria.
Além disso, o monarca pode dar sua aquiescência ou seu veto às leis aprovadas no Parlamento, evidentemente com menor independência do que um Presidente poderia fazer em outros sistemas de governo.
A doutrina constitucional inglesa, mesmo ciente do aumento das limitações das atribuições do monarca ao longo dos séculos, atribui um papel relevante na postura do monarca frente aos assuntos relacionados à condução do governo.
O monarca deve se abster de se aconselhar com pessoas estranhas ao Gabinete, ou de se manifestar publicamente sobre assuntos de Estado sem se aconselhar com o Gabinete, bem como aceitar o posicionamento do Gabinete e apoiá-lo enquanto servirem o monarca.
Isso significa dizer que o monarca, por não ser passível de responsabilização política no sistema constitucional britânico, deve evitar contradições públicas com a condução dos negócios de Estado, sob pena de agravar crises ou até mesmo provocar desentendimentos, rupturas e quedas de Gabinete, o que traz instabilidade política e paralisia nas instituições de governo.
De outro lado, o monarca pode apresentar os seus pontos de vista ao Gabinete por meio das reuniões que realiza com o Primeiro-Ministro. Por isso, o mesmo Walter Bagehot afirma que as prerrogativas reais podem ser resumidas na trindade: o direito de ser consultado, o direito de aconselhar e o direito de alertar.
Assim, quando o Primeiro-ministro, que exerce a condução dos assuntos do governo em nome de Sua Majestade, expõe os assuntos e matérias relevantes a serem conduzidos, ele deve estar aberto para a visão do monarca acerca dos diferentes impactos que os problemas e suas possíveis soluções podem trazer para o povo britânico.
Percebe-se, com isso, que embora o monarca não governe propriamente, ele pode ter papel de influência nas considerações feitas por aqueles responsáveis por implementar e aperfeiçoar as políticas públicas, não sendo desprestigiado ou preterido, muito pelo contrário.
3. Crises Constitucionais
Mas nem tudo funciona como o planejado e de vez em quando, pode acontecer alguma interferência nas comunicações entre o monarca e o Gabinete. Esse desentendimento, ou quebra da postura esperada podem causar as chamadas Crises Constitucionais, ocorridas quando um monarca exorbita sua esfera de influência e acaba desqualificando, ainda que acidentalmente, a postura do seu Primeiro-ministro ou de algum membro do seu Gabinete, ou mesmo quando algum desses membros tenta atropelar a visão do monarca sobre a condução dos assuntos públicos sem considerar a visão de longo prazo e estabilidade defendida pelo regente.
As Crises costumam ser resolvidas com a volta do trabalho à normalidade, quando algum membro do gabinete se retrata ou renuncia, ou quando o monarca volta a tratar as questões com a maior neutralidade possível, sem defender qualquer ideologia ou a postura de um dos partidos.
Essa soma de fatores e colaboração de agente é responsável pela estabilidade política do Reino Unido, que desenvolve o seu sistema parlamentar de monarquia constitucional desde o final do século XVII.
É importante conhecer o sistema, ainda que de forma básica, para tentar captar as vantagens de seus funcionamento para incrementar os nossos sistemas de governo de maneira que se tornem mais eficientes e estáveis.
Fontes bibliográficas
Vernon Bogdanor. The monarchy and the Constitution. Oxfor.Clarendon Press. 2017.
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