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Lei Anticorrupção: Procedimento Administrativo de Responsabilização

 Bom dia, prezado leitor. Neste texto, vamos comentar um pouco sobre o novo decreto regulamentador da Lei Anticorrupção, Lei n.12.846 de 2013, que traz normatização mais extensa sobre o tema do que o decreto anterior, de 2015, e que merece atenção por já entrar em vigência no próximo dia 18 de julho de 2022. No artigo de hoje, vamos tratar sobre o procedimento a ser cumprido durante o PAR – Procedimento Administrativo de Responsabilização.



O artigo 6º dispõe:

Art. 6º  Instaurado o PAR, a comissão avaliará os fatos e as circunstâncias conhecidas e indiciará e intimará a pessoa jurídica processada para, no prazo de trinta dias, apresentar defesa escrita e especificar eventuais provas que pretenda produzir.

§ 1º  A intimação prevista no caput:

I - facultará expressamente à pessoa jurídica a possibilidade de apresentar informações e provas que subsidiem a análise da comissão de PAR no que se refere aos elementos que atenuam o valor da multa, previstos no art. 23; e

II - solicitará a apresentação de informações e documentos, nos termos estabelecidos pela Controladoria-Geral da União, que permitam a análise do programa de integridade da pessoa jurídica.

A comissão processante do PAR, que deve contar com indícios suficientes de autoria e materialidade, colhidos em investigações preliminares ou em outros procedimentos, indiciará a pessoa jurídica envolvida e a intimará para responder as acusações no prazo de trinta dias, devendo especificar provas que queira produzir.

Nesse mesmo prazo, a pessoa jurídica deverá apresentar informações sobre seu programa de integridade, bem como documentos e informações que possam diminuir as penalidades a que estará sujeita no caso de comprovação de sua participação em irregularidades.



Prossegue o artigo, dispondo dos requisitos do indiciamento: 

Art.6º[...]

§ 2º  O ato de indiciação conterá, no mínimo:

I - a descrição clara e objetiva do ato lesivo imputado à pessoa jurídica, com a descrição das circunstâncias relevantes;

II - o apontamento das provas que sustentam o entendimento da comissão pela ocorrência do ato lesivo imputado; e

III - o enquadramento legal do ato lesivo imputado à pessoa jurídica processada.

O indiciamento da pessoa jurídica conterá a descrição do ato lesivo à Administração Pública e suas circunstâncias, as provas já obtidas à disposição da comissão e o enquadramento legal das condutas e respectivas penalidades aplicáveis.

A intimação será feita por meio físico ou eletrônico, conforme estabelece o artigo 7º, mas pode acontecer de a intimação não ter êxito em encontrar os responsáveis legais pela pessoa jurídica. Nesses casos, será admitida a intimação por edital, publicado na imprensa oficial e no site da entidade pública que conduz o procedimento, contando-se o mesmo prazo de 30 dias para a defesa escrita. Isso consta do parágrafo 3º do artigo 6º:

Art.6º [...]

§ 3º  Caso a intimação prevista no caput não tenha êxito, será feita nova intimação por meio de edital publicado na imprensa oficial e no sítio eletrônico do órgão ou da entidade pública responsável pela condução do PAR, hipótese em que o prazo para apresentação de defesa escrita será contado a partir da última data de publicação do edital.

§ 4º  Caso a pessoa jurídica processada não apresente sua defesa escrita no prazo estabelecido no caput, contra ela correrão os demais prazos, independentemente de notificação ou intimação, podendo intervir em qualquer fase do processo, sem direito à repetição de qualquer ato processual já praticado.

No caso de a pessoa jurídica não apresentar defesa, os prazos correrão independente de nova intimação ou notificação, podendo a mesma intervir na fase em que se achar o procedimento, não podendo repetir qualquer ato já realizado.

O artigo 7º trata da contagem do prazo para as manifestações no procedimento. Observe-se a disposição:

Art. 7º  As intimações serão feitas por qualquer meio físico ou eletrônico que assegure a certeza de ciência da pessoa jurídica processada.

§ 1º  Os prazos começam a correr a partir da data da cientificação oficial, excluindo-se da contagem o dia do começo e incluindo-se o dia do vencimento, observado o disposto no Capítulo XVI da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.

§ 2º  Na hipótese prevista no § 4º do art. 6º, dispensam-se as demais intimações processuais, até que a pessoa jurídica interessada se manifeste nos autos.

§ 3º  A pessoa jurídica estrangeira poderá ser notificada e intimada de todos os atos processuais, independentemente de procuração ou de disposição contratual ou estatutária, na pessoa do gerente, representante ou administrador de sua filial, agência, sucursal, estabelecimento ou escritório instalado no Brasil.

Assim, a contagem do prazo segue a regra de desconsiderar o dia de inicio e incluir o dia do término do prazo. 

O decreto dispensa de intimações para a pessoa jurídica que não estiver se manifestando nos autos do procedimento.

No caso da pessoa jurídica estrangeira, a mesma será intimada e notificada na pessoa do gerente ou representante de sua filial, agencia ou estabelecimento instalado no Brasil. 

O artigo 8º trata da situação de ter sido entregue a defesa escrita da empresa. Nesse caso, a comissão avaliará sobre a necessidade de produção de provas requeridas, podendo indeferir as ilícitas, impertinentes, desnecessárias, protelatórias ou intempestivas. Veja-se a disposição:

Art. 8º  Recebida a defesa escrita, a comissão avaliará a pertinência de produzir as provas eventualmente requeridas pela pessoa jurídica processada, podendo indeferir de forma motivada os pedidos de produção de provas que sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias, protelatórias ou intempestivas.

§ 1º  Caso sejam produzidas provas após a nota de indiciação, a comissão poderá:

I - intimar a pessoa jurídica para se manifestar, no prazo de dez dias, sobre as novas provas juntadas aos autos, caso tais provas não justifiquem a alteração da nota de indiciação; ou

II - lavrar nova indiciação ou indiciação complementar, caso as novas provas juntadas aos autos justifiquem alterações na nota de indiciação inicial, devendo ser observado o disposto no caput do art. 6º.

Também pode acontecer de novas provas serem produzidas após o indiciamento da empresa, podendo a mesma se manifestar a respeito delas dentro de 10 dias. Todavia, poderá ser lavrado novo indiciamento contra a empresa, constando a descrição dos fatos e enquadramento legal. O que o decreto não dispõe, expressamente, é sobre a possibilidade de novo prazo de 30 dias para defesa escrita sobre esse novo indiciamento ou indiciamento complementar, uma vez que novos fatos, novas provas e novas penalidades podem modificar a situação da empresa processada. Como o decreto estipula “observado o disposto no caput do art.6º”, entende-se que haverá a devolução do referido prazo.

Também deverão ser avaliadas as informações sobre o programa de integridade mantido pela empresa, para que se permita realizar a correta dosimetria das sanções a serem futuramente aplicadas:

Art.8º [...]

§ 2º  Caso a pessoa jurídica apresente em sua defesa informações e documentos referentes à existência e ao funcionamento de programa de integridade, a comissão processante deverá examiná-lo segundo os parâmetros indicados no Capítulo V, para a dosimetria das sanções a serem aplicadas.

Por sua vez, o artigo 9º dispõe que os representantes e advogados da empresa poderão acompanhar o PAR tendo amplo acesso aos autos, o que é algo a ser defendido sempre, pois alguns procedimentos, mesmo dotados de caráter sigiloso, devem permitir a ampla defesa e o contraditório, que são possíveis apenas com o acesso irrestrito aos autos do processo.

Art. 9º  A pessoa jurídica poderá acompanhar o PAR por meio de seus representantes legais ou procuradores, sendo-lhes assegurado amplo acesso aos autos.

Parágrafo único.  É vedada a retirada de autos físicos da repartição pública, sendo autorizada a obtenção de cópias, preferencialmente em meio digital, mediante requerimento.

Seguindo as regras de processo administrativo, contudo, não se faculta a retirada dos autos, mas apenas a obtenção de cópias. Como tende-se a usar o processo eletrônico, o meio digital já torna tal previsão obsoleta. Mas, mesmo assim, as cópias a serem obtidas de processos serão dadas em meio digital, mediante requerimento.

O artigo 10 trata das diligências que podem ser realizadas pela comissão processante, concedendo-lhes amplos poderes probatórios e incluindo aqueles já descritos em sede de investigação preliminar. 

Art. 10.  A comissão, para o devido e regular exercício de suas funções, poderá praticar os atos necessários à elucidação dos fatos sob apuração, compreendidos todos os meios probatórios admitidos em lei, inclusive os previstos no § 3º do art. 3º.



Ao final da apuração, a comissão entregará relatório escrito à autoridade que instaurou o procedimento, descrevendo os fatos e a responsabilização, constando as sanções passíveis de aplicação e as condições a serem preenchidas para a reabilitação da empresa,  bem como o encaminhamento à Advocacia Geral da União e ao Ministério Público para que promovam as ações previstas na lei anticorrupção. Isso está previsto no artigo 11:

Art. 11.  Concluídos os trabalhos de apuração e análise, a comissão elaborará relatório a respeito dos fatos apurados e da eventual responsabilidade administrativa da pessoa jurídica, no qual sugerirá, de forma motivada:

I - as sanções a serem aplicadas, com a respectiva indicação da dosimetria, ou o arquivamento do processo;

II - o encaminhamento do relatório final à autoridade competente para instrução de processo administrativo específico para reparação de danos, quando houver indícios de que do ato lesivo tenha resultado dano ao erário;

III - o encaminhamento do relatório final à Advocacia-Geral da União, para ajuizamento da ação de que trata o art. 19 da Lei nº 12.846, de 2013, com sugestão, de acordo com o caso concreto, da aplicação das sanções previstas naquele artigo, como retribuição complementar às do PAR ou para a prevenção de novos ilícitos;

IV - o encaminhamento do processo ao Ministério Público, nos termos do disposto no art. 15 da Lei nº 12.846, de 2013; e

V - as condições necessárias para a concessão da reabilitação, quando cabível.

Será lavrado, após o relatório final, ata que encerrará os trabalhos e desconstituirá a comissão, encaminhando-se a seguir os autos para a autoridade que julgará as condutas e aplicará as penalidades. A pessoa jurídica será intimada para se manifestar em 10 dias sobre esse relatório final. Observe-se o artigo 12:

Art. 12.  Concluído o relatório final, a comissão lavrará ata de encerramento dos seus trabalhos, que formalizará sua desconstituição, e encaminhará o PAR à autoridade instauradora, que determinará a intimação da pessoa jurídica processada do relatório final para, querendo, manifestar-se no prazo máximo de dez dias.

Parágrafo único.  Transcorrido o prazo previsto no caput, a autoridade instauradora determinará à corregedoria da entidade ou à unidade competente que analise a regularidade e o mérito do PAR.

Depois desse prazo de manifestação da empresa, a autoridade que receber os autos do PAR para julgamento determinará que a corregedoria da respectiva unidade analise a regularidade e o mérito do procedimento, antes que julgue o caso.

O artigo 13 dispõe que, estando o procedimento regular, a autoridade julgará, contando com parecer técnico da assistência jurídica da entidade na qual tramita o processo. 

Art. 13.  Após a análise de regularidade e mérito, o PAR será encaminhado à autoridade competente para julgamento, o qual será precedido de manifestação jurídica, elaborada pelo órgão de assistência jurídica competente.

Parágrafo único.  Na hipótese de decisão contrária ao relatório da comissão, esta deverá ser fundamentada com base nas provas produzidas no PAR.

Existe inclusive a possibilidade de a decisão da autoridade competente ser contrária à da comissão processante, devendo, evidentemente, estar lastreada nas provas obtidas durante o PAR.

Essa decisão será publicada no Diário Oficial da União e no site da entidade ou órgão da Administração Pública que tiver julgado o caso. Veja-se o artigo 14:

Art. 14.  A decisão administrativa proferida pela autoridade julgadora ao final do PAR será publicada no Diário Oficial da União e no sítio eletrônico do órgão ou da entidade pública responsável pelo julgamento do PAR.

Haverá a possibilidade de recurso, denominado pedido de reconsideração, a ser protocolado dentro de 10 dias contados da data da publicação da decisão. Observe-se o artigo 15:

Art. 15.  Da decisão administrativa sancionadora cabe pedido de reconsideração com efeito suspensivo, no prazo de dez dias, contado da data de publicação da decisão.

§ 1º  A pessoa jurídica contra a qual foram impostas sanções no PAR e que não apresentar pedido de reconsideração deverá cumpri-las no prazo de trinta dias, contado do fim do prazo para interposição do pedido de reconsideração.

§ 2º  A autoridade julgadora terá o prazo de trinta dias para decidir sobre a matéria alegada no pedido de reconsideração e publicar nova decisão.

§ 3º  Mantida a decisão administrativa sancionadora, será concedido à pessoa jurídica novo prazo de trinta dias para o cumprimento das sanções que lhe foram impostas, contado da data de publicação da nova decisão.

Esse recurso terá efeito suspensivo, ou seja, as eventuais sanções não terão eficácia até o seu julgamento. Todavia, a empresa que não apresentar o recurso deverá cumprir as sanções dentro de 30 dias, contados do fim do prazo recursal. 

A autoridade julgadora será competente para decidir sobre o pedido de reconsideração, e deverá julgar em 30 dias, publicando nova decisão. 

Caso a decisão punitiva seja mantida, abrir-se-á novo prazo de 30 dias para que a empresa cumpra as sanções contra ela estabelecidas, contados da nova publicação da decisão.

O decreto permite que o PAR seja suspenso, no caso de negociação do acordo de leniência, como permite o artigo 40:

Art. 40.  A critério da Controladoria-Geral da União, o PAR instaurado em face de pessoa jurídica que esteja negociando a celebração de acordo de leniência poderá ser suspenso.

Parágrafo único.  A suspensão ocorrerá sem prejuízo:

I - da continuidade de medidas investigativas necessárias para o esclarecimento dos fatos; e

II - da adoção de medidas processuais cautelares e assecuratórias indispensáveis para se evitar perecimento de direito ou garantir a instrução processual.

Mas essa suspensão não impedirá a continuidade da investigação nem a adoção de medidas cautelares, obstando-se apenas a decisão do julgamento.

Disposição interessante diz respeito ao fato de que o PAR ou a negociação do acordo de leniência não interferem no prosseguimento de outros processos administrativos disciplinares que estejam apurando danos à Administração Pública. Assim, mantém-se a independência entre os procedimentos. Tal regra consta do artigo 66:

Art. 66.  O processamento do PAR ou a negociação de acordo de leniência não interfere no seguimento regular dos processos administrativos específicos para apuração da ocorrência de danos e prejuízos à administração pública federal resultantes de ato lesivo cometido por pessoa jurídica, com ou sem a participação de agente público.

Está aí a relevância de se conhecer o novo regramento, de modo a se avaliar se houve recrudescimento do caráter sancionador da lei anticorrupção ou afrouxamento nas regras que punem, civil e administrativamente, as empresas que desrespeitam as boas práticas do mercado e prejudicam a Administração Pública. Até a próxima!

Confira mais postagens sobre o Decreto regulamentador da Lei Anticorrupção clicando aqui!

Link para a lei Anticorrupção (Lei n.12.846 de 2013)

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm

Link para o novo decreto regulamentador (Dec.n.11.129 de 2022)

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Decreto/D11129.htm

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