Olá, leitor. Esse texto trata de algumas alterações trazidas pela lei anticrime de 2019 sobre os regramentos de processo penal. Nesse texto, falaremos sobre o juiz de garantias, cuja aplicação continua suspensa, conforme decisão do STF.
Houve acréscimo dos artigos 3-A a 3º-F no Código de Processo Penal, de modo a estipular a dinâmica de atuação do juiz das garantias. Todavia, cabe alertar para a suspensão da eficácia desses artigos determinada pelo STF, o que inviabiliza a implementação dessas regras por enquanto no processo criminal. Vejamos a disposição da nova lei e os principais pontos, começando pelo art.3º-A.
Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.
Nesse artigo se consagra a natureza “acusatória” do processo penal, em vez da natureza “inquisitória”, o que condiz com as garantias constitucionais, internacionais e legais que garantem a divisão de funções entre os atores que investigam, acusam e julgam. Esse caráter “acusatório”, mais moderno e justo para o acusado, era considerado controverso, dada a natureza inquisitorial originariamente impressa nas regras do Código, elaborado na primeira metade do século passado, e que foi modernizado paulatinamente (e continua sendo, como se nota). O artigo 3º-B é mais extenso e transcrevemo-lo juntamente com o artigo 3º-F, pois tratam das atribuições do magistrado sobre o acusado:
Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente:
I - receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do caput do art. 5º da Constituição Federal;
II - receber o auto da prisão em flagrante para o controle da legalidade da prisão, observado o disposto no art. 310 deste Código;
III - zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo;
IV - ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal;
V - decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar, observado o disposto no § 1º deste artigo;
VI - prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las, assegurado, no primeiro caso, o exercício do contraditório em audiência pública e oral, na forma do disposto neste Código ou em legislação especial pertinente;
VII - decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral;
VIII - prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no § 2º deste artigo;
IX - determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;
X - requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação;
XI - decidir sobre os requerimentos de:
a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação;
b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico;
c) busca e apreensão domiciliar;
d) acesso a informações sigilosas;
e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado;
XII - julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia;
XIII - determinar a instauração de incidente de insanidade mental;
XIV - decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do art. 399 deste Código;
XV - assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso a todos os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em andamento;
XVI - deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia;
XVII - decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação;
XVIII - outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo.
§ 1º O preso em flagrante ou por força de mandado de prisão provisória será encaminhado à presença do juiz de garantias no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, momento em que se realizará audiência com a presença do Ministério Público e da Defensoria Pública ou de advogado constituído, vedado o emprego de videoconferência.
§ 2º Se o investigado estiver preso, o juiz das garantias poderá, mediante representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar, uma única vez, a duração do inquérito por até 15 (quinze) dias, após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será imediatamente relaxada.
[...]
Art. 3º-F. O juiz das garantias deverá assegurar o cumprimento das regras para o tratamento dos presos, impedindo o acordo ou ajuste de qualquer autoridade com órgãos da imprensa para explorar a imagem da pessoa submetida à prisão, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e penal.
Parágrafo único. Por meio de regulamento, as autoridades deverão disciplinar, em 180 (cento e oitenta) dias, o modo pelo qual as informações sobre a realização da prisão e a identidade do preso serão, de modo padronizado e respeitada a programação normativa aludida no caput deste artigo, transmitidas à imprensa, assegurados a efetividade da persecução penal, o direito à informação e a dignidade da pessoa submetida à prisão.
Esse artigo com diversos incisos trata das atribuições do juiz das garantias e se percebe um papel muito relevante a essa figura: preservar a imparcialidade do juiz que sentenciará, de modo que outro juiz tome decisões relativas à fase investigativa, principalmente ligada ao inquérito policial. Vê-se que, dentre as atribuições do juiz das garantias, está a de fiscalizar a legalidade da prisão (e sua manutenção), a integridade da imagem dos presos (como determinado pelo artigo 3º-F), determinar procedimentos voltado para a obtenção de provas que demandam ordem judicial, até chegar na situação de decidir acerca do recebimento ou não da denúncia ou queixa-crime. Passemos ao próximo:
Art. 3º-C. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código.
§ 1º Recebida a denúncia ou queixa, as questões pendentes serão decididas pelo juiz da instrução e julgamento.
§ 2º As decisões proferidas pelo juiz das garantias não vinculam o juiz da instrução e julgamento, que, após o recebimento da denúncia ou queixa, deverá reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso, no prazo máximo de 10 (dez) dias.
§ 3º Os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo, à disposição do Ministério Público e da defesa, e não serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis, medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em apartado.
§ 4º Fica assegurado às partes o amplo acesso aos autos acautelados na secretaria do juízo das garantias.
O artigo 3º-C dispõe que não caberá ao juiz das garantias atuar em crimes de menor potencial ofensivo, além de assegurar que ao juiz da instrução e julgamento, recebida a denúncia ou queixa, serão remetidos os autos contendo as provas colhidas e que a ele caberá decidir sobre a manutenção de medidas cautelares determinadas pelo juiz das garantias, bem como questões pendentes.
Art. 3º-D. O juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato incluído nas competências dos arts. 4º e 5º deste Código ficará impedido de funcionar no processo.
Parágrafo único. Nas comarcas em que funcionar apenas um juiz, os tribunais criarão um sistema de rodízio de magistrados, a fim de atender às disposições deste Capítulo.
Por sua vez, o artigo 3º-D determina que o juiz que tomar parte nas investigações criminais (tratadas no artigo 4º e seguintes do referido Código), não poderá atuar como juiz da instrução e julgamento. Evidentemente, nas comarcas pequenas, onde atuam apenas um magistrado, deverá ser estabelecido um revezamento (ou “rodizio”) para que os magistrados não descumpram a lei. Essa foi uma das grandes dificuldades apontadas nas ações interpostas perante o STF de modo a impedir a aplicação imediata da nova lei.
Art. 3º-E. O juiz das garantias será designado conforme as normas de organização judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal, observando critérios objetivos a serem periodicamente divulgados pelo respectivo tribunal.
O artigo 3º-E determina que o juiz das
garantias receberá tal função de acordo com as normas de organização judiciária
dos respectivos Estados, DF ou mesmo União (no âmbito da Justiça Federal).
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Veja o texto da lei anticrime:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm
Veja o texto do Código de Processo Penal:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm
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