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Capacidade Civil e o Projeto de Reforma do Código Civil

 Capacidade Civil e o Projeto de Reforma do Código Civil


O Código Civil foi publicado em 2002 e sua vigência teve início em 2003, de modo que todos pudessem conhecer e fazer as adequações necessárias naquilo que fosse preciso, tanto no que dispõe em relação às pessoas quanto às empresas. 
No entanto, algumas disposições sofreram mudanças mais recentes, permitindo a fruição e salvaguarda de direitos previstos na Constituição Federal. 
O texto de hoje apresenta alguns aspectos sobre a evolução legislativa referente à capacidade civil.

1. Alguns conceitos básicos sobre capacidade civil


Pode-se entender a capacidade civil como a possibilidade de uma pessoa exercer e usufruir de direitos. Na verdade, essa possibilidade se subdivide em duas: a capacidade de fato e a capacidade de direito.

A capacidade de direito, ou de usufruir de direitos, todas as pessoas possuem, por ser inerente a toda pessoa humana.

Por sua vez, a capacidade de fato, ou de exercer direitos, exige determinados requisitos legais que a pessoa deve possuir para que possa praticar determinados atos da vida civil.

Dessa maneira, quando o Código Civil dispõe sobre a incapacidade, ele se refere à capacidade de exercício, de fato, dos direitos.




2. Sobre a incapacidade civil absoluta


A previsão do Código Civil trazia a disposição de que eram absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I - os menores de dezesseis anos;
II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Dessa maneira, os menores de dezesseis, os que não possuíssem discernimento adequado e os impossibilitados de exprimir sua vontade dependeriam da representação de um terceiro para exercer seus direitos.
Todavia, com a renovação legislativa promovida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n.13.146 de 2015, e uma nova mentalidade que vem sendo construída no meio social e no meio jurídico, tal restrição se mostrava incompatível com o respeito à dignidade das pessoas portadoras de alguma enfermidade incapacitante.
Desta feita, o Código Civil foi alterado, passando a dispor o seguinte: 

  Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)  
I - (Revogado) ; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)  
II - (Revogado) ; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)  
III - (Revogado) . (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) ( 

Ou seja, o rol de situações nas quais a pessoa é considerada absolutamente incapaz foi reduzido drasticamente.
Mas e o que aconteceu com as demais situações anteriormente previstas na legislação?
Algumas delas foram enquadradas na situação intermediária de incapacidade relativa, como veremos na sequência, enquanto outras, por envolverem análise subjetiva e dificultosa, deixaram de ser previstas na legislação.


3. Sobre a incapacidade civil relativa


O Código Civil de 2002 previa uma série de situações nas quais as pessoas eram consideradas relativamente incapazes, necessitando de assistência de terceiros para exercer determinados atos da vida civil.
Assim era a disposição:
 
Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;
III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

Mencionava-se, portanto, aqueles que estavam se aproximando da maioridade, entre 16 e 18 anos, os dependentes de álcool e outras drogas, os que possuíam discernimento reduzido (a incapacidade absoluta previa ausência de discernimento) e os pródigos, aqueles que despendem todo seu patrimônio até se colocar na ruína.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência promoveu as seguintes alterações:

  Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)  
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) ( 
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)  
IV - os pródigos.
Parágrafo único.  A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)  

Desse modo, manteve-se a previsão etária e a relativa aos dependentes de álcool e outras drogas, bem como dos pródigos, mas não se fala mais em ausência ou redução de discernimento, constando apenas a previsão acerca dos que não podem exprimir sua vontade, por causa permanente ou transitória.

4. O que consta do Projeto de Lei n.4/2025 de Reforma do Código Civil? 

O Projeto de Lei resgata parte da redação original do art.3º, que foi alterado pelo Estatuto das Pessoas com Deficiência, voltado a prever como causas da incapacidade absoluta a menoridade e a impossibilidade de exprimir a vontade. Eis o texto projetado:

“Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I - os que tenham menos de 16 (dezesseis) anos;
II - aqueles que por nenhum meio possam expressar sua vontade, em caráter temporário ou permanente.”

Quanto a incapacidade absoluta, o Projeto prevê alterar o art.4º para que estabeleça o seguinte:

“Art. 4º ..................................................................................
I - ..................................................................................
II - aqueles cuja autonomia estiver prejudicada por redução de discernimento, que não constitua deficiência, enquanto perdurar esse estado;
III - Revogado;
IV - ..................................................................................
Parágrafo único. As pessoas com deficiência mental ou intelectual, maiores de 18 (dezoito) anos, têm assegurado o direito ao exercício de sua capacidade civil em igualdade de condições com as demais pessoas, observando- se, quanto aos apoios e às salvaguardas de que eventualmente necessitarem para o pleno exercício dessa capacidade, o disposto nos arts. 1.767 a 1.783 deste Código.”

Ou seja, são alterados os incisos II, III e o parágrafo único, que antes cuidava apenas da capacidade dos indígenas, em dispositivo muito questionado desde a promulgação do Código de 2002.
É curioso que o Código deixa de dispor sobre a situação dos ébrios e toxicômanos, substituindo-se por situações nas quais as pessoas apresentem "redução de discernimento, que não constitua deficiência", podendo abranger mais hipóteses. 
O parágrafo único confirma a autonomia das pessoas com deficiência, que serão apoiadas de acordo com as regras previstas para a tutela.  

O Projeto acrescenta ainda um art.4º-A, que pretende salvaguardar os direitos da pessoa com deficiência, nos seguintes termos:

“Art. 4º-A. A deficiência física ou psíquica da pessoa, por si só, não afeta sua capacidade civil.”

Isso significa dizer que a deficiência não é argumento que define a incapacidade como regra, devendo ser aferidas as condições da pessoa (compreensão da realidade, vontade própria e autônoma, capacidade de exprimir a vontade, etc.).

5. Conclusão

A renovação legislativa foi muito importante para conferir mais direitos às pessoas com deficiência, desde o Estatuto da Pessoa com Deficiência e o Projeto de alteração do Código Civil parece consolidar tais valores. A presença de disposição legislativa sobre o discernimento comprometido pode auxiliar os magistrados a resolver questões com mais clareza, sem precisar depender de parâmetros muitas vezes  desenvolvidos pela jurisprudência baseada em legislação ultrapassada.

A retomada da divisão clássica entre as causas da capacidade civil absoluta e relativa, ainda que parcial, restabelece alguns parâmetros clássicos e sana dificuldades práticas, pois era estranho considerar como relativamente capaz quem não podia exprimir sua vontade, pois esta é fundamento essencial na aferição da capacidade!

Resta esperar os próximos debates e ajustes que o projeto receberá antes de ser votado em defintivo pelo Congresso!

Até a próxima!

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